Desde 2001, quando a primeira cirurgia à distância foi realizada, entre os Estados Unidos e a França, que a telecirurgia esperava por comunicações sem fios robustas e confiáveis para chegar a zonas onde os cuidados de saúde especializados são escassos ou inexistentes. O 5G traz agora novas oportunidades para a cirurgia robótica chegar cada vez mais longe. Em Portugal, tal como em muitos outros países, os especialistas tiram partido da alta velocidade e da latência ultrabaixa do 5G para concretizar as primeiras experiências. Mas a robótica, aplicada ao sector da saúde, é ainda um terreno fértil com muitas potencialidades por explorar.
Com a ajuda de um sistema robótico conectado à rede 5G, o cirurgião Liang Xiao removeu com sucesso a vesícula biliar inflamada de uma paciente. A operação nada teria de relevante não fosse o médico estar em Zhejiang, no leste da China, e a cinco mil quilómetros de distância do Hospital de Alaer, na região de Xinjiang Uygur, onde a doente se encontrava internada. O procedimento com pouco mais de 30 minutos, ocorrido em finais de fevereiro de 2023, não somente curou a paciente, como demonstrou o potencial da telecirurgia para fornecer cuidados especializados a zonas remotas sem acesso a serviços de saúde.
Até agora, os médicos da província de Zhejiang tinham de viajar nove horas de avião e ainda 30 minutos de autocarro para chegar ao hospital da cidade de Alaer. Graças à tecnologia sem fio, esse obstáculo pôde ser ultrapassado com eficácia. “Quando dei instruções a partir da plataforma, o robô endoscópio de quatro braços respondeu em perfeita sintonia”, contou o cirurgião ao South China Morning Post.
A China, nos anos mais recentes, é um dos países que mais tem investido na telecirurgia. A expansão das comunicações 5G já permitiu procedimentos cirúrgicos remotos em tempo real e teleguiados em animais e humanos, demonstrando que as redes móveis de quinta geração podem oferecer uma solução para problemas de latência e de confiabilidade ocorridos em experiências anteriores.
Em janeiro de 2019, o mundo ouviu boquiaberto que a primeira cirurgia remota com recurso a 5G tinha sido realizada na província chinesa de Fujian. Um médico veterinário chinês removeu a parte danificada do fígado de um animal de laboratório, controlando dois braços robóticos para conduzir a operação a 50 quilómetros de distância. Dois meses mais tarde, foi a vez de um médico da cidade de Sanya inserir um dispositivo de estimulação cerebral a um paciente com Parkinson a quase três mil quilómetros de distância, em Pequim.
Desde então, muitas experiências têm sido desenvolvidas no Reino Unido, em Itália, nos Estados Unidos, no Japão, em Espanha e em muitos outros países, incluindo em Portugal, com a primeira cirurgia remota com 5G a ser realizada em maio de 2022 na Unidade da Mama da Fundação Champalimaud, em Lisboa.
Os procedimentos remotos suportados por tecnologias 5G são uma nova ferramenta que a medicina começou agora a explorar, mas os especialistas advertem que a telerrobótica deverá ainda demorar alguns anos até entrar na rotina dos hospitais. Espera-se que com treino e formação dos médicos, a cirurgia robótica conectada às redes de última geração atinja o seu potencial, permitindo que os médicos realizem cirurgias a milhares de quilómetros e até a oceanos de distância.
Mas são ainda precisos muitos anos de treino – admitem os peritos – para conseguir manipular os robôs de formas eficazes numa ampla gama de cenários e imprevistos que poderão surgir num bloco operatório. Se as questões técnicas como velocidade, latência ou confiabilidade das redes, estão maioritariamente resolvidas, será ainda preciso assegurar que os cirurgiões dominem com segurança as novas práticas cirúrgicas.
Liang Xiao, do Hospital Sir Run Run Shaw em Zhejiang, por exemplo, iniciou a sua formação em 2015, tendo realizado nos últimos oito anos mais de 600 operações assistidas por robôs antes de arriscar a sua primeira cirurgia a solo. Liang e os colegas fizeram parte de um projeto de investigação envolvendo um robô 5G usado na cirurgia, no qual deram sugestões clínicas e realizaram testes em animais. Além de treinar médicos, o hospital onde trabalha também acumulou uma vasta experiência no desenvolvimento de ferramentas médicas para operações à distância.
O investimento que se tem feito por todo o mundo na formação e na tecnologia é um indício claro de que a cirurgia robótica promete revolucionar a área dos cuidados especializados de saúde. O relatório “Improving Access to Robotic Surgery”, recentemente publicado pela Global Business Media, reconhece o consenso sobre as suas vantagens e enumera os desafios de ampliar o acesso deste novo recurso a mais pacientes.
Jonathan Agnew, Professor Adjunto de Política de Saúde na Faculdade de Medicina da Universidade da Colômbia Britânica e redator do relatório, está convicto de que os benefícios da cirurgia robótica vão ser disruptivos para a medicina. No preâmbulo do estudo, o especialista americano reconhece, todavia, que o grande desafio agora é garantir que esses benefícios sejam amplamente divulgados, “estendendo o seu acesso a populações de pacientes mais diversas”.
Desde 2001, quando os cirurgiões Jacques Marescaux e Michel Gagner realizaram a primeira cirurgia remota entre Nova Iorque, nos Estados Unidos, e Estrasburgo, em França, que a medicina aguarda pelas tecnologias sem fio confiáveis, ultrarrápidas e com baixa latência para cumprir a promessa da telerrobótica: tratar pacientes em zonas sem acesso a cuidados de saúde.
A proliferação de smartphones e dispositivos vestíveis (wearables) impulsionou o surgimento da telemedicina como uma ferramenta para fazer diagnósticos e prescrever medicamentos aos pacientes. Mas, com o 5G, a telecirurgia derrubou mais uma barreira, podendo melhorar drasticamente o tratamento médico às populações a viver em áreas remotas.
Ryan Madder, diretor da Unidade de Cardiologia do Corewell Health, em Michigan, nos Estados Unidos, está também entre os pioneiros. Entre 2021 e 2022, o cirurgião usou, a partir de Boston, um sistema robótico conectado a uma rede 5G para manipular um braço robótico em San Francisco durante 36 procedimentos cirúrgicos.
Embora o sinal 5G tivesse de percorrer mais de quatro mil quilómetros, o médico assegura não se ter apercebido de “nenhuma latência mecânica” ou atraso entre o momento em que acionou os comandos e o momento em que o robô respondeu. “A minha experiência recente incentiva-me a confiar fortemente na tecnologia sem fio para suportar a telecirurgia”, defendeu o especialista no artigo de opinião publicado no Fortune.com.
Não significa isso que não há ainda obstáculos a superar, adverte o cirurgião. Desde logo, será preciso acautelar as situações em que os sinais robóticos possam ser abruptamente interrompidos e comprometer a conclusão de uma cirurgia. Outro risco potencial são os atrasos na transmissão do sinal que podem conduzir a acidentes.
No entanto, defende o especialista, o surgimento de redes ultrarrápidas e de alta largura de banda e os avanços na tecnologia robótica, nos anos mais recentes, lançaram os alicerces para “soluções criativas” que podem vir a ser desenvolvidas, ajudando a superar essas barreiras.
A cirurgia assistida por robôs está apenas no início da sua caminhada para poder vir a ser implementada em grande escala. O 5G abriu a porta para as novas tecnologias, como Realidade Aumentada e Virtual, a Inteligência Artificial ou os Gémeos Digitais. São novos recursos que podem trazer melhorias no desempenho da telerrobótica, mas também para apoiar a formação dos profissionais de saúde em práticas recém-inauguradas na medicina.
A tecnologia continuará a evoluir e inovar, oferecendo maior níveis de precisão, eficiência e segurança. Os equipamentos futuros tenderão a ser, segundo os especialistas, mais versáteis, flexíveis, leves e cada vez mais suportados pela Inteligência Artificial. Outros tipos de aparelhos robóticos, como dispositivos portáteis, também serão desenvolvidos, impulsionando a telemedicina para mais próximo das populações a viver em zonas remotas.
Boa parte dessa evolução está dependente da rapidez com que a infraestrutura e a cobertura das comunicações de alta velocidade forem implementadas. O 5G – com uma taxa de dados de pico de 20 gigabytes por segundo (Gbps) e latência de 1 milissegundo (ms) – é para os peritos uma enorme oportunidade para o crescimento de novas soluções. Mas espera-se que as potencialidades sejam ainda maiores com a chegada do 6G, que promete uma taxa de dados de pico de um terabit por segundo e latência de 0,1 ms. O progresso das comunicações sem fios e a evolução de sistemas de comunicação mais robustos levam os especialistas a acreditar que a cirurgia remota tem ainda muitos benefícios para oferecer à comunidade médica e aos pacientes de qualquer parte do planeta.
_____________________________________
▪▫▪ Leia também o artigo “Telecirurgia e 5G são cruciais para prestar cuidados de saúde nos Açores”
▫▪▫ Crédito da imagem de abertura: Hospital Sir Run Run Shaw da Universidade de Zhejiang