Reconhecendo o potencial revolucionário dos gémeos digitais, o Fórum do Banco Mundial lançou um guia para ajudar os municípios a entrar na era avançada das tecnologias 5G. O relatório destina-se a todos os decisores políticos e empresariais que ambicionam aproveitar os benefícios da nova geração de aplicações e ferramentas de planeamento e gestão inteligente das cidades.
Com quase 70% da população mundial a migrar para as áreas urbanas em 2050, segundo as estimativas da ONU, as cidades enfrentam desafios cada vez mais complexos. Uma gestão eficaz de recursos, consumos e desperdícios assume-se, por isso, como fundamental para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Os avanços nas redes móveis, na recolha de dados, na computação em nuvem, na Internet das Coisas (IoT), nos sistemas de informação geográfica (GIS, sigla em inglês), na modelação 3D e na Inteligência Artificial (IA) desencadearam novas oportunidades para reinventar e remodelar as cidades através da utilização de gémeos digitais.
Será preciso, antes de mais, enquadrar este recurso, que ganhou um impulso extraordinário com a integração de novas tecnologias, como o 5G, o Mobile Edge Computing, os sensores IoT, a Realidade Virtual e Aumentada ou a Inteligência Artificial. Os gémeos digitais, réplicas virtuais de ambientes, produtos, processos ou sistemas, são usados para simular cenários, ajudando indústrias, smart cities ou operadores de energia a eliminar riscos, fazer a gestão remota das infraestruturas ou a melhorar desempenhos operacionais.
O recurso, nos últimos anos, tem vindo a ser usado, mas com grandes limitações. O 5G, ao permitir cruzar dados e obter resultados em tempo real, promete agora revolucionar a sua aplicação na indústria, cidades inteligentes, energia, entre outros sectores, convertendo os dados, processados em tempo real, em poderosas ferramentas de tomada de decisão. A largura de banda e a baixa latência do 5G permitem a alta-velocidade nos resultados obtidos, transformando radicalmente esta tecnologia.
Ao agregar dados de design, de planeamento, de manutenção, de reparação, de operações ou de padrões de comportamento humano, os gémeos digitais da geração 5G permitem testar e avaliar diferentes estratégias antes de as adotar. Um gémeo digital pode ser analisado sob qualquer perspetiva, cruzando informação gerada por dados em tempo real, por cenários concebidos por Inteligência Artificial ou através da visualização de dados a três dimensões. As cidades inteligentes poderão, como tal, sofrer grandes transformações à medida que adotam esta solução para criar realidades alternativas em que é possível simular, fazer análises preditivas e ensaiar respostas.
Para compreender melhor o potencial da tecnologia dos gémeos digital aplicada às cidades, o Fórum Económico Mundial lançou o relatório Cidades Gémeas Digitais – Recomendações e Contributos-Chave. O documento é uma tentativa de ajudar os municípios a otimizar o planeamento, o design, o desenvolvimento e o uso de plataformas gémeas digitais nas suas cidades. Dado a sua integração no planeamento e nos processos urbanos se encontrar numa fase inicial, ainda persistem muitas incertezas face à sustentabilidade financeira e ao valor social e económico associados a estes projetos complexos e de significativo investimento.
Considerando estas preocupações, os especialistas do Banco Mundial procuraram guiar os decisores com recomendações que cobrem todos os estádios da implementação desta tecnologia por parte dos municípios, desde políticas, tecnologias e recursos relevantes, até uma reestruturação dos quadros técnicos nos recursos humanos – acrescentando novas competências tecnológicas e digitais – passando por passos obrigatórios para estabelecer parcerias com entidades privadas que possam apoiar as autarquias na introdução e implementação gradual de plataformas de gémeos digitais.
As recomendações estendem-se também às empresas e indústrias, consideradas parceiras fundamentais dos municípios durante todo o processo. Partilhar conhecimentos e aprendizagens entre sectores público e privado é, aliás, o tom transversal nas orientações fornecidas pelos autores do documento. Trata-se de uma necessidade vital numa área em que ainda se está a construir um consenso sobre o caminho para desenvolver tecnologias, plataformas, estruturas de gestão de dados ou modelos de negócio relacionados.
Será preciso ter em consideração que os pioneiros na construção de cidades gémeas digitais enfrentam grandes desafios, como necessidades de desenvolvimento urbano cada vez mais complexas, rápido desenvolvimento tecnológico, incerteza e risco de investimento ou processos prolongados de construção. O relatório, neste contexto, procura abordar possíveis soluções para cada um destes desafios.
Os esforços pioneiros apresentados neste relatório oferecem uma primeira noção dos potenciais benefícios das tecnologias de gémeos digitais, realçando simultaneamente a necessidade de mais investigação, monitorização e avaliação. Procurando diversificar o leque de aplicações, o documento apresenta casos de uso e modelos que podem ser transpostos para cidades de dimensões grande, média ou pequena, parques e zonas funcionais urbanas, como bairros e vilas ou ainda aplicações, como monitorização e planeamento de tráfego rodoviário, da qualidade da água ou gestão de recursos energéticos.
Vários estudos de casos, mostrando as melhores práticas internacionais, ajudam a ilustrar esta caminhada, como é o caso da Estratégia Nacional de Gémeos Digitais do Reino Unido. A iniciativa, do Centre for Digital Built Britain, propõe um programa assente em nove princípios para orientar o desenvolvimento e a aplicação de Gémeos Digitais a nível nacional.
O plano está, desde logo, centrado na qualidade e precisão do modelo de gémeo digital na proteção de informações sensíveis, na interoperabilidade da tecnologia com outros sistemas e no desenvolvimento sustentável da sociedade da informação. Ao integrar padrões de tecnologia oriundos de vários sectores do Reino Unido, a estratégia estimulou, segundo os autores do relatório, a participação de várias partes interessadas – de governos locais e regionais até academia e indústria, promovendo um ambiente favorável ao desenvolvimento da tecnologia de gémeos digitais no país.
Outros exemplos de práticas internacionais são apresentados no relatório, constituindo, aliás, uma montra para o que de mais inovador já se vai fazendo pelo mundo. O projeto Nuvem de Energia, do Parque Ecológico Tecnológico da Baía de Shenzhen, na China, implementado pelo município de Shenzhen, permitiu desenvolver um sistema digital para visualizar e rastrear o consumo de energia em todas as instalações, empresas e zonas do recinto.
Ao otimizar e ajustar o consumo de energia, os operadores do parque passaram a adotar medidas e políticas com o intuito de garantir a sustentabilidade ambiental de todo o ecossistema empresarial e industrial. Graças à plataforma Nuvem de Energia, o consumo de eletricidade foi, de acordo com os dados citados no relatório, reduzido em aproximadamente meio milhão de euros por ano.
Dos Estados Unidos, chega também o caso de Chicago que, através de uma parceria com a IBM implementou o projeto Smart City Digital Twin com o objetivo de melhorar a eficiência na gestão municipal. O programa arrancou com uma gigantesca quantidade de dados recolhidos por sensores IoT em áreas como transportes públicos, edifícios, ambiente físico e segurança.
Espera-se que o sistema forneça à cidade uma riqueza de informação, permitindo soluções mais inteligentes para melhorar o bem-estar e a qualidade de vida dos seus habitantes. Além disso, a cidade de Chicago também abriu o acesso ao seu banco de dados, oferecendo aos residentes a possibilidade de encontrar qualquer informação sobre seus bairros.
O projeto Safeswim, na Nova Zelândia, também está a aplicar um gémeo digital para monitorizar a qualidade da água em Auckland. O programa assenta numa plataforma de integração de dados, combinando 10 fluxos de variáveis, que vão de redes de abastecimento de água, às condições meteorológicas, passando por mapas de marés.
Complementada por informações de sensores IoT e dados de testes microbiológicos laboratoriais, a plataforma avalia a qualidade da água em inúmeros espaços recreativos da cidade de Auckland. Para o público, o projeto incluiu uma plataforma com acesso a informações sobre a qualidade da água e os riscos para a saúde de 84 praias e oito estâncias fluviais ao redor da cidade. Além de promover mais informação junto da população, o projeto Safeswim destacou o problema da qualidade da água, incentivando as empresas a combater o vazamento de águas residuais.
O relatório vai ainda mais além e olha para as potencialidades dos gémeos digitais no futuro com o desenvolvimento do metaverso. Com o avanço das tecnologias de Realidade Aumentada e Virtual, as cidades gémeas digitais irão aprofundar a interconectividade entre espaços físicos e virtuais, operando numa dependência mútua entre as dimensões física e virtual.
Alguns municípios, como Londres, Nova Ioque, Seul ou Pequim, já implementaram estratégias para promover o desenvolvimento de indústrias e cidades do metaverso. Os autores do relatório estão, por isso, convictos de que, uma cidade gémea digital poderá vir a ser a base sobre a qual um espaço urbano poderá ser construído no metaverso, fornecendo os dados e a infraestrutura necessários para simular o seu funcionamento.
Miami criou, por exemplo, uma cidade virtual no metaverso, permitindo aos turistas visitar a cidade através de dispositivos de Realidade Aumentada. O caso, segundo o Fórum do Banco Mundial, poderia ser também encarado pelas autarquias como uma forma de recolher opiniões públicas e sugestões através do metaverso, que permitisse planear e gerir roteiros turísticos de acordo com as expetativas dos visitantes.
As cidades gémeas, construídas no metaverso, têm o potencial de criar motores de crescimento nos municípios, promovendo novas indústrias e oportunidades de emprego e atraindo investidores e empresas para as suas regiões. Os empreendedores poderão lançar os seus próprios negócios através de dispositivos de Realidade Virtual e utilizar novas tecnologias, como a digitalização e a computação em nuvem, para fornecer aos residentes bens e serviços, impulsionando o progresso económico. No futuro, os gémeos digitais aplicados às cidades poderão, por isso, entrar numa dimensão revolucionária do planeamento, da gestão e desenvolvimento urbano, rematam os autores.
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Poderá descarregar e consultar o relatório Cidades Gémeas Digitais – Recomendações e Contributos-Chave no website do Fórum do Banco Mundial (versão em inglês).