Digital Twins, ou Gémeos Digitais, são réplicas virtuais de ambientes, produtos, processos ou sistemas. A tecnologia é utilizada para simular e testar cenários, ajudando Indústrias, smart cities ou operadores de Energia a eliminar riscos, fazer a gestão remota das infraestruturas ou melhorar desempenhos operacionais. O recurso já é usado há alguns anos, mas o 5G, ao permitir cruzar dados e obter resultados em tempo real, revolucionou a sua aplicação. A solução irá crescer significativamente nos próximos anos, mas há já uma startup portuguesa, sedeada em Mirandela, que se destaca no panorama internacional.
As redes elétricas são infraestruturas críticas em qualquer parte do mundo, mas enfrentam desafios enormes, desde condições meteorológicas extremas, passando por incêndios florestais até desastres naturais. Falhas elétricas e mecânicas ou congestionamentos na rede são obstáculos constantes a dificultar a gestão, o transporte e a distribuição da energia. A startup portuguesa Enline distingue-se nesta área com a sua tecnologia inovadora. A sua solução Digital Twin para sistemas de energia tem permitido aos operadores obter um vasto conhecimento sobre o comportamento elétrico, mecânico e térmico de cada trecho de uma linha de transmissão.
O processo dispensa a instalação de sensores, de hardware, o uso de drones ou deslocações de equipas para fazer a manutenção ou a reparação da rede. Tudo é controlado à distância, com o Digital Twin a considerar as condições climatéricas ao longo de cada vão da linha de transmissão, combinadas depois com variáveis elétricas, mecânicas e técnicas, permitindo a avaliar a qualidade da energia a qualquer momento.
Ao incluir todos os fatores e elementos – subestações, transformadores, condutores, cabos de proteção, torres, fundações, topografia, vegetação, entre outros – foi possível gerar um Gémeo Digital altamente detalhado e um modelo de cálculo preciso e dinâmico em que todas as variáveis são processadas em tempo real, simulando cenários e antecipando contratempos, como interrupções, avarias ou desperdícios no transporte e distribuição de eletricidade.
Recentemente, a empresa desenvolveu ainda um projeto de I&D que permite prevenir incêndios florestais provocados por descargas elétricas. A Enline, fundada em 2018, pelo investidor Manuel Lemos, emigrante no Peru, está sedeada em Mirandela. É a partir desta pacata cidade transmontana que a startup portuguesa leva a sua tecnologia a 15 países dos cinco continentes, tendo já conquistado vários prémios, entre os quais o galardão de tecnologia na European Utility Week Paris, um dos eventos de energia mais conceituados do mundo.
Para quem não está familiarizado com o conceito Digital Twin, não será fácil entender o que está por detrás da tecnologia desenvolvida pela Enline. Especializada em software para gestão e operação de redes de transporte de energia elétrica, a startup de Mirandela incorpora soluções de engenharia, Data Science, Inteligência Artificial e IoT (Internet das Coisas) para recriar em ambiente virtual uma réplica digital da rede, possibilitando uma monitorização em tempo real e otimizando toda a sua operação.
O modelo não é novo. A NASA foi pioneira ao utilizar o conceito na década de 1960 para criar réplicas de naves espaciais que apoiavam decisões críticas durante as missões. Com o avanço das tecnologias, a solução foi deixando de reproduzir apenas objetos isolados e estáticos, alargando os seus horizontes. E, hoje, com a rede 5G, estes modelos digitais estão mais sofisticados do que nunca, com réplicas interativas que transformam os dados processados em tempo real em poderosas ferramentas de tomada de decisão.
O ponto de viragem, segundo os especialistas, aconteceu a partir do momento em que a largura de banda e a baixa latência das redes de quinta geração permitiram a alta-velocidade nos resultados obtidos. O advento dos sensores 5G, do Mobile Edge Computing e dos sensores IoT transformaram radicalmente esta tecnologia.
O recurso já era usado na indústria há vários anos para avaliar o impacto das mudanças na linha de produção ou para testar a fiabilidade e desempenho de produtos. Mas, ao agregar dados de design, de fabrico, de planeamento da produção, de manutenção, de reparação e de operações, os Gémeos Digitais da geração 5G, permitem a simulação total de um processo de produção real, possibilitando antever quais as estratégias mais fundamentadas e eficazes a adotar.
Estamos perante um modelo digital que pode ser estudado e testado sob todos os ângulos, com informação cruzada e proveniente de vários sistemas, desde dados em tempo real, a cenários gerados por Inteligência Artificial até à visualização de dados a três dimensões. E não é apenas o chão de fábrica ou as redes de transporte e distribuição elétrica que beneficiam destas vantagens.
A tecnologia tem vindo a ser usada em muitas outras esferas, como planeamento urbano, Ambiente ou Transportes. As smart cities podem sofrer grandes transformações à medida que adotarem esta solução para criar cenários em que é possível fazer análises preditivas e ensaiar respostas. Através da réplica de uma cidade poder-se-ia, por exemplo, encontrar a melhor localização para um novo centro hospitalar, uma escola, um edifício ou uma ciclovia, como explica Sandra Novais Neves, Local Government Sector Lead na Esri Portugal, no seu artigo intitulado “Digital Twin: O Caminho Inteligente para um Planeamento Eficiente”.
Ao cruzar informação com dados em tempo real e criar modelos de avaliação comportamental suportados na Inteligência Artificial, um Gémeo Digital permitiria reduzir o impacto ambiental e social de uma construção. E isto sem esquecer a vantagem deste modelo para apresentar e comunicar grandes projetos a qualquer público ou até para promover a cidadania ativa ao converter conceitos abstratos em realidades virtuais concretas que podem ser escrutinadas pela população.
A sua aplicação é ainda pouco explorada, sobretudo em Portugal, admitem os especialistas. O potencial desta tecnologia, todavia, torna o seu uso, nos próximos anos, muito promissor. O estudo do Capgemini Research Institute estima que a implementação de gémeos digitais em todo o mundo deverá aumentar em média 36% até 2027, o que é revelador de um “claro crescimento” na apetência pela tecnologia em vários sectores, principalmente na indústria automóvel, aeroespacial, ciências da vida e utilities.
O relatório também revela que cerca de um terço das 1000 empresas inquiridas já implementaram a tecnologia para prever consumos de energia e emissões poluentes, melhorando em 16% as suas métricas de sustentabilidade.
Atualmente, a solução tem sido sobretudo adotada na área das smart grids (redes inteligentes), reconhecem os analistas de tecnologias, mas outros sectores como, gestão de edifícios, Indústria, simulação na aviação ou plataformas petrolíferas, têm também recorrido a este modelo para testar cenários e fazer a gestão remota.
A cidade de Boston, nos Estados Unidos, está, por exemplo, a utilizar Gémeos Digitais na construção, avaliando a exposição solar dos edifícios, considerando as infraestruturas nas áreas envolventes, calculando os custos e trabalhando em cenários preditivos de cheias, com base no histórico de informação disponível.
Outros casos notáveis são os Aeroporto Amesterdam Schiphol, nos Países Baixos, e o Aeroporto Internacional de Hong Kong, na China, que também estão a recorrer a esta solução para otimizar as suas operações e estudar as probabilidades de falhas operacionais em toda a infraestrutura aeroportuária.
Os Gémeos Digitais são igualmente o recurso que a empresa australiana John Holland utiliza para medir e monitorizar o impacto ambiental e cumprir múltiplos regulamentos na construção de infraestruturas integradas, ferrovias, transportes intermodais ou na construção civil. A plataforma da empresa recolhe, analisa e exibe dados ambientais numa representação em 3D do local de construção, permitindo aos gestores ambientais monitorizar o cumprimento das normas ou investigar reclamações.
O planeamento em qualquer área será sempre um exercício difícil perante a imprevisibilidade de inúmeras variáveis. Mas, os especialistas acreditam que, com o crescimento dos Digital Twins, as empresas, os municípios e outras organizações têm agora um ambiente virtual seguro para experimentar, preparar respostas e eliminar riscos, reduzindo o impacto ambiental, otimizando os recursos e as operações e elegendo, entre diferentes cenários e simulações, as melhores opções para o bem-estar das populações e sustentabilidade do planeta. Os benefícios são, por isso, demasiado valiosos para não se tirar um pleno partido desta tecnologia nos anos vindouros.