Delegado Nacional aos Comités de Telecomunicações e Navegação por Satélite da ESA e CE/DG DEFIS
Consultor Principal na ANACOM
A integração da componente satélite na rede mainstream de telecomunicações é uma peça chave para facilitar a Transformação Digital que se está a desenvolver em muitos domínios da sociedade. O acesso aos dados em tempo real é um fator crítico para a evolução dos modelos de negócio em muitos sectores da economia. Os satélites podem facilmente complementar a exploração e cobrir zonas remotas ou territórios sem cobertura, viabilizando o acesso a dados em qualquer momento e a partir de qualquer lugar.
A indústria de comunicações por satélite está a passar por uma profunda transformação e o advento do 5G/6G poderá ser uma oportunidade para que a componente espacial se torne parte integral da infraestrutura de telecomunicações, no sentido de uma transformação digital da sociedade e economia europeias mais sustentada.
As Universidades e laboratórios dos países mais avançados no desenvolvimento tecnológico do 5G, estão já a desenvolver projetos para o 6G. As agências espaciais mais relevantes como a NASA (EUA), a CNSA (China), a ESA (Europa) e a JAXA (Japão) estão numa corrida para implementar programas avançados de sistemas integrados entre o segmento espacial e o segmento terrestre que possam tirar proveito destas caraterísticas tecnológicas.
De acordo com a literatura internacional especializada e com base nas premissas dos projetos em desenvolvimento nas principais agências espaciais mundiais, os futuros sistemas espaciais do 6G vão poder oferecer a máxima eficiência espectral com débitos binários máximos de 1 Tbps (enquanto o 5G é cerca de 10 Gbps), com a utilização de frequências nos TeraHz (no 5G atinge-se os 90 GHz) haverá uma integração plena com as redes terrestres (no 5G a integração é apenas parcial) e com uma latência end-to-end de 1ms (no 5G é de 10ms). Ao nível dos serviços, vamos passar do vídeo (no 4G), da Realidade Virtual e da Realidade Aumentada (no 5G) para a Realidade Táctil no 6G (também designada como comunicação háptica).
Algumas aplicações no 6G, tais como o uso pleno de Inteligência Artificial (AI) e o uso pleno da realidade estendida (combinação de todas as realidades e interações homem-máquina), utilizarão o espectro de radiofrequências e o espectro da luz visível (comunicações ópticas), o que permitirá potenciar esta ligação entre o mundo físico e o mundo cibernético.
A arquitetura dos futuros sistemas 6G será composta por 3 camadas (Figura 1):
No domínio das aplicações e serviços que os futuros sistemas 6G irão disponibilizar aos utilizadores, e tendo como foco principal o que a componente espacial irá adicionar, assistir-se-á à capacidade de poder ligar milhões de equipamentos ponto a ponto que beneficiarão o Transporte e a Logística (carros autónomos, transporte ferroviário, marítimo e aeronáutico), os Media e a Radiodifusão (transmissões de alto débito e volume de dados independentemente da localização), as questões relacionadas com o Perigo e a Segurança Pública (a segurança oferecida pelos satélites torna-os ideais para aplicações que requeiram níveis mais elevados de segurança das comunicações, de resiliência e de redundância) e bem como as áreas da economia, como a agricultura e os seus produtos, a educação e a cultura, a energia e o ambiente, o sistema financeiro, a saúde, as cidades inteligentes e o turismo.
No domínio dos sistemas espaciais estão em curso diversas iniciativas tanto ao nível da Agência Espacial Europeia (ESA), quanto da Comissão Europeia através da sua Agência Espacial (EUSPA) ou através da cooperação entre estas duas agências. Estas iniciativas traduzem-se no o desenvolvimento de diversos projetos de Sistemas de Conectividade Segura (SAGA, IRIS), de comunicações ópticas (ScyLight, HyDron) e sistemas Multi-domain Multi-orbit (tal como podemos ver na figura acima, são sistemas de órbitas e aplicações distintas para comunicações por satélite (satcom), navegação e observação da Terra, através de ligações inter satélite por feixe óptico).
No domínio do espectro de radiofrequências, a identificação de espectro que acomode as necessidades de altas taxas de transmissão, aplica-se não somente aos sistemas terrestres, mas também aos sistemas de satélites. Os satélites GEO do tipo VHTS (Very High Throughput Satellite), usam atualmente o espectro na banda-ku (14/11,12 GHz) e na banda-ka (30/20 GHz). No entanto, os novos sistemas de satélite não geostacionários (NGEO) para a oferta de serviço fixo por satélite (FSS) visam a utilização de faixas de frequências designadas por Q/V, isto é, um intervalo de frequências entre os 33 GHz e os 75 GHz.
O enquadramento regulamentar em vigor detalha condições específicas para as faixas em torno dos 47 e 50 GHz para o uplink e no intervalo 37-39.5 GHz para o downlink. Uma nova geração de cubesats, quer nano satélites (massa de 1kg a 10kg) ou pico satélites (massa de 100g a 1kg), está vocacionada para experiências científicas, telemetria e telecomando, emissões de banda estreita para leitura de sensores IoT.
Com estas características físicas e radioelétricas, determinou-se que estes sistemas utilizarão as faixas de frequências abaixo de 1 GHz, atualmente atribuídas ao serviço móvel por satélite ou ao serviço de operações espaciais, nomeadamente em 137-138 MHz e 148-149 MHz.
Do ponto de vista regulamentar, este tipo de sistemas, porque não está sujeito aos procedimentos tradicionais de coordenação, sujeita-se ao estatuto de não poder interferir nem reclamar proteção contra interferências.
Em Portugal, o Prof. Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior (MCTES) anunciou a criação do Programa Atlantic Constellation, uma plataforma para integrar projetos já em curso como os satélites Infante (liderado pela empresa espacial portuguesa Tekever), Magal (pela Efacec) e AEROS (pela Edisoft), a plataforma de integração de dados de satélites e outras fontes ASTRIIS (pela Tekever), o veículo suborbital reutilizável Viriato (pela Omnidea) e o projeto Caravela (pela Tekever), que pretende desenvolver estruturas para micro lançadores (pequenos foguetões). Informações mais detalhadas sobre os projetos bandeira (flagships) e outras iniciativas relevantes em curso podem ser encontradas no site da agência espacial portuguesa, PT Space.
Estes avanços tecnológicos fabulosos, a par com o desenvolvimento do New Space e a correspondente democratização do acesso ao espaço, colocam-nos desafios e oportunidades, em especial aos países que, como Portugal, pretendem constituir-se como Space Nation até ao ano 2030.
Janeiro de 2022
SOBRE O AUTOR:
Fernando Guerra é Consultor Principal da ANACOM. É também representante nacional nos Comités de Telecomunicações (JCB), Navegação por Satélite (PB-NAV) e Comités de Aconselhamento 5JAC (5G por Satélite), SCOTT (Comunicações Ópticas por Satélite) e 4S (Space Systems for Safety and Security) da ESA (European Space Agency) e representante nacional nos grupos GOVSATCOM (Comunicações Governamentais por Satélite), Conectividade Segura por Satélite e Plataforma para a Gestão do Tráfego Espacial (STM) da Direção Geral para a Defesa, Indústria e Espaço da Comissão Europeia (DG DEFIS).
NOTA: Os artigos de opinião são de inteira responsabilidade dos seus autores. As opiniões, neles emitidas, não vinculam o Portal 5G, nem comprometem o dever de isenção da ANACOM.