Líder de Arquitetura na start-up Darwin Innovation Group
Telemóvel e comunicação por satélite historicamente se desenvolveram em planos paralelos. É verdade que, em momentos, a indústria de comunicação por satélite se dedicou a oferecer serviços de telefonia a utilizadores finais, com os mais notáveis exemplos incluindo Thuraya, Globalstar e Iridium. Esses serviços, no entanto, contam com capacidade restrita no que tange à comunicação utilizando dados e têm adoção relativamente moderada. No mais, empresas especializadas em comunicação por satélite desenvolveram forte foco em facilitar a interligação entre estações de rádio base e centrais de telefonia como o maior foco de integração das duas vertentes tecnológicas.
Observa-se assim um distanciamento entre empresas prestadoras de comunicação por satélite e empresas prestadoras de serviços móveis terrestres, cada qual se focando na área onde têm maior vantagem competitiva e raramente procurando soluções conjuntas para o acesso do usuário. O segmento móvel quase nunca foi capaz de desenvolver cobertura geográfica completa para serviços de dados; e o segmento de acesso por satélite, não tem sido utilizado para completar de maneira integrada esses buracos em cobertura. Surge então o momento ‘Eureka’ para o projeto Darwin.
Para que uma proposta de inovação tecnológica ganhe momento, o tempo precisa ser correto. Em 2019, quando o conceito para o projeto Darwin começou a se consolidar, já se viam tendências claras em relação a:
Nasce então a ideia de integrar o acesso de usuário por satélite e por redes terrestres de serviço móvel, para que se complementem, possibilitando que frotas de veículos se beneficiem de conectividade de dados ininterrupta em todo o território. Num paradigma de serviços digitais, somam-se à conectividade, os serviços nuvem de plataforma de dados, para permitir a empresas que visualizem os dados de telemetria de sua frota bem como desfrutem de serviços especializados conforme a vertical de atuação. Por fim, levando em conta que o futuro da mobilidade está atrelado a autonomia, junta-se ao mix o tema da mobilidade autônoma conectada.
De imediato a ideia ressoa com gestores de alto escalão no grupo Telefônica, empresa na qual uma das fundadoras do projeto Darwin vinha a tempos atuando como diretora de entrega em grandes projetos de transformação. A ideia, além de preencher várias lacunas de inovação onde o grupo procura maior destaque, como usos de caso para o 5G e casos mais avançados de conectividade máquina a máquina, também pode se beneficiar de iniciativa semelhante aonde Telefônica, Hispasat e Renfe trabalharam em conjunto desde 2015 para habilitar acesso contínuo dos passageiros à banda larga via Wi-Fi dentro de comboios de longo trajeto na Espanha.
Decide-se então que há mérito em oferecer um capital semente – trata-se de um modelo de financiamento especifico para projetos empresariais na sua fase inicial, usualmente utilizado por startups – para explorar o conceito. Para obter maior agilidade, o formato de empresa de arranque independente é escolhido. Isso permite que a nova empresa, a Darwin Innovation Group Limited, requeira subvenção, em formato de financiamento casado, da Agência Espacial do Reino Unido (UKSA). Com o capital semente patrocinado pela Telefônica UK e subvenção aprovada pela UKSA após êxito em concurso e escrutínio em relação a aspectos da concorrência, dá-se o pontapé inicial ao projeto.
A primeira fase, sob tutela da Agência Espacial Europeia (ESA), braço operacional administrando a subvenção da UKSA, serviu para a consolidação do conceito. Nesta fase, em parceria com a Telefonica UK, a Hispasat e a Universidade de Glasgow, desenvolveram-se atividades para:
Na sequência, ou em alguns casos em paralelo, iniciaram-se atividades práticas para construir demonstrações visando provar os conceitos. Isso incluiu:
Este processo culmina com os testes em campo quando utilizamos a Unidade Móvel de Testes de Saúde para averiguar os níveis de conectividade conforme circulávamos entre diversas cidades na região turística da Cornualha, conhecida por seus desafios em relação a conectividade via satélite e por serviço móvel terrestre devido ao relevo irregular e vegetação densa em certas áreas. A demonstração foi um sucesso pois enquanto se verificavam níveis de conectividade de 90% do tempo para serviços móveis terrestres e 80% do tempo para serviços de comunicação por satélite, nossa solução integrada garantiu disponibilidade de conectividade aos serviços de nuvem por mais de 99% do tempo. Todos os serviços testados, como transmissão de canais de vídeo ao vivo, transferência de ficheiros grandes, teleconferência e navegação de páginas da internet etc., mantêm qualidade de experiência quase inalterada para o usuário que nem percebe as transições ocorrendo entre redes terrestre e a satélite.
Em separado, surge a oportunidade da empresa Darwin competir por novo projeto com financiamento casado da ESA na área de mobilidade. A empresa vence o concurso com a proposta de desenvolver serviço de transporte de passageiros interno ao campus de Harwell, no Reino Unido, aonde tanto a ESA quanto a empresa Darwin estão localizadas. O diferencial dos serviços é a utilização de microônibus sem condutor e com conectividade ininterrupta usando comunicação móvel 5G e a satélite. O patrocinador principal, desta vez, é a empresa de seguros Aviva, que se interessa em ter acesso a dados para desenvolver novos produtos neste segmento nascente de veículos autônomos para transporte coletivo.
Abre-se uma nova caixa de pandora e a empresa Darwin se vê às voltas da regulação necessária para operar tal serviço no Reino Unido. Com a ajuda de alguns órgãos públicos como o CCAV (Centro para Veículos Autônomos Conectados), conseguimos trilhar os aspectos administrativos para:
Durante a operação piloto desenvolveram-se os processos operacionais necessários e treinaram-se os operadores de segurança, que por razões legais precisam estar dentro do veículo para intervir em seu controle quando necessário. Após essa fase e com as aprovações cabíveis, passou-se à fase de operação regular com acesso aberto a todos os tipos de passageiros.
Como se vê, já se passaram três anos de atividades intensas e que já geraram muitos frutos. Mas há muito mais por vir em nossos planos para o futuro:
Enfim, temos fome de inovação e um desejo imenso de fazer a diferença para um futuro mais sustentável na área de mobilidade. Nessa jornada, teremos enorme honra em considerar propostas comerciais para trabalho próximo a empresas e instituições Portuguesas.
Maio de 2022
SOBRE O AUTOR:
Rodrigo Barreto é Bacharel em Engenharia Elétrica, com especialização em Telecomunicações, pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Brasil) e Mestre em Gestão de Negócios (MBA) pela Universidade de Manchester (Reino Unido).
Tendo iniciado a sua carreira em 1992, como estagiário da Telesp, operadora estatal prestando serviços no Estado de São Paulo, o Rodrigo desenvolveu a parte inicial de sua carreira no Brasil, trabalhando na área de engenharia de sistemas para comunicações fixas e móveis, primeiramente na Siemens e depois na Ericsson. Em 2000 foi transferido para a Suécia, tendo participado em projetos para redes 3G e redes fixas NGN e em 2003 mudou-se para o Reino Unido para frequentar em tempo integral o seu mestrado. No Reino Unido, trabalhou inicialmente na empresa de consultoria Ovum, na qual atuou nas áreas de estratégia, regulação e política pública no setor das telecomunicações e mais tarde na ZTE, onde atuou como consultor de tecnologias de negócios. Em 2013, iniciou um período de sete anos atuando como consultor independente e desde 2020 que está filiado à empresa start-up Darwin Innovation Group, onde atua como o líder de arquitetura, focado em soluções de convergência entre redes móveis terrestres e redes de comunicação por satélite, em plataformas de serviços cloud orientadas para o segmento “mobilidade como serviço” e em soluções de inteligência artificial para veículos autónomos.
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Fernando Guerra é o Delegado Nacional aos Comités de Telecomunicações e Navegação por Satélite da ESA e CE/DG DEFIS.