O 5G tem ainda um longo caminho até à sua plena implementação, mas o 6G já está a gerar enorme expectativa. O Portal 5G desafiou, por isso, João Duque, consultor técnico na ANACOM, a partilhar o seu conhecimento sobre este novo mundo que nos aguarda ao virar da década. A próxima geração de comunicações móveis – conta o especialista nesta área – irá potenciar ainda mais as tecnologias, como a Inteligência Artificial ou a sensorização, inaugurando uma autoestrada para a condução autónoma, telepresença multissensorial ou comunicações holográficas. A inclusão digital estará, porventura, entre os maiores proveitos. Ao permitir serviços básicos e acessíveis de banda larga com cobertura alargada, a conectividade poderá chegar a todo lado, incluindo zonas mais remotas. Espera-se que o 6G facilite uma transição suave, recorrendo a tecnologias de gerações anteriores e acelerando o combate à infoexclusão.
Em que fase se encontra a discussão em torno do 6G e que objetivos foram delineados para o desenvolvimento das tecnologias da próxima geração?
Muito se tem escrito e proclamado sobre as capacidades que as tecnologias 6G irão trazer para os consumidores. Recentemente, aliás, foi aprovada a recomendação ITU-R M.2160-0, da União Internacional de Telecomunicações (UIT), que explicita o enquadramento e os objetivos genéricos para o desenvolvimento destas tecnologias. Além das melhorias de desempenho, nomeadamente em termos de incremento de velocidade (Gbps) e decréscimo de latência (ms), a comunidade móvel lançou, através dessa recomendação, uma série de advertências que devem ser tidas em conta. Entre estas, reforçar a segurança e resiliência, bem como a capacidade de conectividade de um maior número de dispositivos IoT (Internet das Coisas). E, pela primeira vez, foram estimados valores mínimos para a velocidade que poderá ser experimentada pelos utilizadores, na ordem dos 300-500 Mbps. Embora a possibilidade de utilizar a Inteligência Artificial e Machine Learning (IA/ML) já sejam possíveis em redes 5G, a recomendação da UIT amplia a importância dessas duas tecnologias para a gestão das redes e para o alargamento das ofertas comerciais. Paralelamente, o 3GPP, entidade que estuda as normas de aplicação do 5G, continuará a evolução do 5G para o 5G-Advanced, também conhecido como 5.5G. Espera-se, entretanto, que a normalização da tecnologia 6G, na versão 20, se inicie em meados de 2025 e prepare a proposta tecnológica para avaliação da UIT-R em 2029, com o objetivo de concluir as suas especificações em 2030.
O 5G, quando surgiu, foi encarado como uma disrupção na evolução das comunicações móveis. O que distingue agora o 6G do 5G?
O que se prevê é que o 6G suporte uma experiência imersiva enriquecida, uma cobertura ubíqua melhorada e novas formas de colaboração, construindo uma sociedade da informação inclusiva, contribuindo para apoiar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Além disso, espera-se que suporte novos cenários de utilização, em comparação com o 5G, com mais e melhores capacidades. A conectividade omnipresente será uma das mais relevantes na medida em que se espera que os preços (€/MB) se tornem mais acessíveis, permitindo serviços básicos de banda larga com cobertura alargada, incluindo em zonas escassamente povoadas.
A inclusão digital será, portanto, uma dimensão a ganhar ainda mais relevância.
Exatamente. A expectativa é que o 6G apoie a continuidade dos serviços móveis e proporcione maior flexibilidade aos utilizadores através de uma interligação estreita com as implementações de redes não terrestres, com as tecnologias móveis já existentes e outras tecnologias de acesso rádio. Espera-se ainda que o 6G apoie uma migração suave a partir dos atuais sistemas, utilizando as tecnologias de geração anterior, permitindo combater a infoexclusão.
“Maiores velocidades, reforço da segurança e resiliência ou capacidades aumentadas para a conectividade de maior número de dispositivos IoT são algumas linhas na base do desenvolvimento das tecnologias 6G.”
__________________
Segurança e resiliência das redes móveis estão entre os benefícios mais citados do 6G. O que significa isso na prática?
Significa que o sistema será seguro logo desde a sua conceção – ou pelo menos assim se prevê-, preservando a confidencialidade, a integridade e disponibilidade da informação, em situações de ciberataque. Espera-se, inclusive, que continue a funcionar mesmo após uma catástrofe, natural ou provocada pelo homem, e que tenha rápida capacidade de recuperação, ou seja, resiliência, muito devido à possibilidade do processamento distribuído dos dados.
Que contributo poderá dar o 6G para fazer face às alterações climáticas?
A utilização de tecnologias com baixo consumo de energia, a redução das emissões de gases com efeito de estufa e o uso adequado dos recursos no âmbito do modelo aplicável de economia circular serão os pilares para fazer face às alterações climáticas e contribuir para realizar os atuais e futuros objetivos de desenvolvimento sustentável. Não se deixa de questionar, no entanto, como efetivamente será atingido este objetivo, atendendo ao aumento do número de dispositivos ligados, e ao volume de dados que se espera escoar na rede.
A fusão entre os mundos físico e digital será, talvez, a vertente do 6G que mais expectativas está a criar. O que podemos esperar para a comunicação imersiva do 6G?
Com a utilização da Banda Larga Móvel (eMBB, sigla em inglês para enhanced Mobile BroadBand) do 5G, o que se espera é que as tecnologias 6G possam vir a alargar os casos de utilização, com experiência de vídeo rica e interativa aos utilizadores, interfaces com máquinas, comunicação para Realidade Estendida (XR, sigla em inglês para eXtended Reality) imersiva, telepresença multissensorial remota e comunicações holográficas. Alguns casos de comunicações imersivas necessitam de elevada fiabilidade e baixa latência para a interação rápida e precisa entre objetos reais e virtuais, bem como uma maior capacidade do sistema para ligar simultaneamente vários dispositivos.
E o que irá representar a Inteligência Artificial para o 6G?
Apesar de já se estar a preparar normas para o 5G, envolvendo a IA, eventualmente na gestão das redes, para o 6G, o intuito é alcançar uma maior evolução ao nível da computação distribuída com a aplicação da IA, nomeadamente ao nível da condução autónoma, da colaboração entre dispositivos para aplicações de assistência médica, da criação de gémeos digitais ou do processamento de dados na cloud e distribuído por dispositivos mais próximos da fonte dos dados.
“As tecnologias de baixo consumo energético, com impacto na redução das emissões de gases com efeito de estufa, e o uso dos recursos numa lógica de economia circular são os contributos do 6G para fazer face às alterações climáticas.”
______________
O que significa a comunicação massiva permitida pelo 6G?
Significa, essencialmente, alargar as Comunicações massivas de Tipo Máquina (mMTC, sigla em inglês para massive Machine Type Communications) do 5G, abrangendo a ligação de um maior número de dispositivos ou sensores, que irão permitir uma vasta gama de casos de utilização e aplicações. Para se ter uma ideia, o número estimado de dispositivos conectados poderá crescer de 106 para 108 por km2. Adicionalmente, prevê-se que os cenários de utilização do 6G se expandam a partir dos do 5G para uma utilização mais alargada que exigirá maiores capacidades. A utilização de capacidades das novas tecnologias, como a Inteligência Artificial, a sensorização e as Comunicações Ultraconfiáveis e de Baixa Latência (URLLC, sigla em inglês para Ultra-Reliable Low Latency Communications) do 5G, irão ainda possibilitar casos de utilização especializados, nomeadamente operações síncronas no tempo, como comunicações em ambiente industrial para total automação e controlo do seu funcionamento. Para suportar estas aplicações, estima-se que os débitos máximos de dados no 6G variem entre os 50 Gbps e 200 Gbps; apontando para velocidades de download, experienciada pelos utilizadores, na ordem dos 300 Mbps a 500 Mbps e uma redução em 1/10 da latência das tecnologias 5G, isto é, 0,1 ms a 1 ms.
Referiu anteriormente a sensorização como uma das tecnologias com maior potencial. Que tipo de serviços e aplicações podemos esperar na era do 6G?
A deteção/sensorização e as comunicações integradas podem vir a facilitar um leque de serviços como é o caso da condução autónoma assistida através de mapas 3D/gémeos digitais, aplicações que realizam o seguimento de movimentos, reconhecendo, por exemplo, a postura/gestos, detetando quedas de objetos ou identificando veículos e pedestres. A monitorização ambiental poderá, do mesmo modo, ganhar novas ferramentas com a deteção de chuva ou níveis de poluição e os dados sobre o meio envolvente, proveniente de sensores, poderão servir para novas aplicações de IA, XR e gémeos digitais.
“Espera-se que as redes 6G continuem a funcionar mesmo após uma catástrofe e que tenham uma rápida capacidade de recuperação, ou seja, de resiliência.”
__________________
O 6G deverá chegar no início de 2030, mas é realista julgar que o seu impacto na sociedade será imediato?
A indústria está a ser prudente em relação ao timing em que os serviços 6G poderão ser disponibilizados. Essas cautelas devem-se sobretudo a uma série de variáveis desconhecidas. O grau de procura dos serviços é, por exemplo, uma delas, mas os desenvolvimentos tecnológicos, especificamente da IA, e o estado de aprovação das normas técnicas do 3GPP, nomeadamente para interfaces rádio e redes de acesso, são alguns dos fatores a condicionar o seu desenvolvimento. A quantidade de espectro disponível e as questões regulamentares, como outras em torno do espectro, da IA ou da proteção de dados também fazem parte desta equação. A comunidade móvel espera que, até 2030, o desenvolvimento das tecnologias 4G/5G prossiga com a melhoria contínua das suas capacidades à medida da procura do mercado. A partir de 2030 prevê-se que alguns países já possam iniciar a exploração dos primeiros serviços do 6G.
_______________________
Sobre o entrevistado
João Duque é consultor técnico na ANACOM e desempenha atualmente funções na área de Gestão de Inovação da Direção-Geral de Informação e Inovação, onde acompanha temas como Inteligência Artificial, redes 6G e tecnologias Quânticas. Trabalhou anteriormente na Gestão do Espectro e Engenharia, envolvendo-se num conjunto variado de dossiês – elaboração de cadernos de encargos e análise de propostas de concursos públicos (TDT, serviço móvel) e ainda nos primeiros leilões de espectro em Portugal (2009, 2011 e 2021).Participou ainda em grupos de trabalho internacionais, em particular no grupo de engenharia do espectro da CEPT, onde cumpriu dois mandatos como Vice-Presidente, contribuindo com estudos técnicos, muitos deles com suporte laboratorial, bem como na elaboração de anexos técnicos, implementados por decisões da Comissão Europeia.