O próximo salto geracional nas redes móveis de comunicação irá revolucionar o tratamento da demência, conclui um estudo pioneiro, conduzido por um consórcio de institutos oriundos de quatro continentes. A Inteligência Artificial, a Robótica ou a Realidade Virtual são algumas das soluções que, aliadas ao 6G, poderão minimizar o impacto de uma pandemia que regista anualmente 10 milhões de novos casos.
Se o 5G tem vindo a desencadear uma revolução na forma como a Saúde, as Indústrias ou as Cidades Inteligentes tiram partido das tecnologias emergentes, o 6G – a geração seguinte de redes móveis que chegará a partir de 2030 – mudará também o paradigma no tratamento de doenças mentais. Esse é o foco do estudo “6G e as tecnologias de Inteligência Artificial nos cuidados prestados a pacientes com demência” publicado no Journal of Medical Internet Research, por um consórcio internacional de universidades e de institutos europeus, americanos, asiáticos e da Oceânia.
Soluções como robôs responsivos, auriculares de Realidade Virtual, interações com assistentes virtuais, navegação móvel por gestos faciais ou até avatares para trabalhar à distância são algumas das novas tecnologias que poderão vir a melhorar com a conectividade de alta capacidade e análise de dados em tempo-real, ainda mais avançada do 6G. Esses já são, aliás, os trunfos que o 5G inaugurou em muitos sectores da economia, mas o seu impacto será muito maior com a sexta geração de redes móveis.
Daí a importância de se começar, desde já, a desenvolver soluções de saúde inovadoras para responder a uma pandemia que, todos os anos, regista 10 milhões de novos casos, segundo os dados da Organização Mundial de Saúde. Entender e utilizar as tecnologias mais avançadas no tratamento das demências é uma mudança de paradigma, defendem os autores, justificando, deste modo, o motivo pelo qual a investigação é inédita. A sua utilidade, todavia, será o melhor argumento para esta área de investigação continuar a progredir.
Não é apenas porque a demência, nas suas variadas manifestações – do Alzheimer às demências vasculares – já é considerada um flagelo, a provocar um caso novo a cada três segundos entre a população idosa, mas não só. É também por ainda não existirem respostas farmacêuticas e diagnósticos clínicos que possam ajudar na sua cura. “A crescente prevalência desta condição e a falta de cuidados eficazes podem agravar ainda mais o impacto da doença nas vidas dos pacientes, nos modos de subsistência das famílias e na economia”, advertem os autores. Ao recorrer a soluções avançadas alimentadas por 6G e Inteligência Artificial, os pacientes poderão aumentar os seus níveis de bem-estar e de qualidade de vida, ganhando maior autonomia face aos seus cuidadores.
Olhemos estão para as tecnologias analisadas pelos especialistas, neste estudo, e como podem evoluir com o 6G e a Inteligência Artificial. As soluções foram organizadas de acordo com as diferentes limitações cognitivas e físicas que a demência pode apresentar nos estádios inicial, intermédio e tardio. Num grau da doença em que a memória já está comprometida, os investigadores recorrem aos exemplos do RFusion e do Ego4D.
O RFusion – um braço robótico projetado pelo MIT – poderia ajudar os pacientes com demência a encontrar pertences perdidos, mesmo quando estão “profundamente” escondidos.
A tecnologia junta dados visuais de uma câmara e informações de radiofrequência instaladas numa antena para recuperar objetos, mesmo quando esses objetos estão soterrados em outros artigos.
OEgocentric Live 4D Perception (Ego4D), por seu turno, é o projeto internacional de 13 institutos para promover a perceção egocêntrica - visão do ponto de vista do utilizador. O programa, alimentado por Inteligência Artificial, traduz-se num conjunto de dados em grande escala, que reúne cerca de três mil horas de imagens captadas por câmaras incorporadas em tecnologias wearables (vestíveis) em nove países: Reino Unido, Índia, Japão, Singapura, Coreia do Sul, Colômbia, Ruanda, Itália e EUA.
O acervo inclui imagens detalhadas fornecidas por mais de 700 participantes a desempenhar uma série de atividades diárias como jardinagem, montagem de móveis, cuidados prestados a animais de estimação ou aprendizagem de instrumentos musicais. Os investigadores acreditam que a Realidade Virtual em dispositivos como auriculares poderá ajudar os pacientes com demência a encontrar objetos perdidos, evitar dosagens erradas na medicação ou até melhorar a interação social.
Passando agora para um estádio da demência em que se registam distúrbios de fala, o estudo aponta o Project Relate como uma possível solução para ajudar na comunicação. Trata-se de uma ferramenta baseada na Inteligência Artificial que o Google criou e que inclui mais de um milhão de amostras de conversas gravadas em inglês para ajudar pessoas com deficiências de fala a comunicarem com outras pessoas e a interagirem com o assistente do Google.
Segundo os autores do estudo, a tecnologia, ao solicitar que o utilizador grave a forma como fala, conseguirá identificar as suas características linguísticas, ajudando-o a traduzir discursos difíceis de entender entre familiares, amigos ou profissionais de saúde.
Project Activate é o exemplo que se segue para pacientes com demência que apresentem limitações motoras. Um algoritmo alimentado por Inteligência Artificial permite aos utilizadores navegar nos seus smartphones usando unicamente expressões faciais e movimentos dos olhos para ativar comandos personalizados.
A aplicação do Google para telemóveis fornece seis gestos - olhar para a direita, olhar para a esquerda, olhar para cima, sorrir, levantar as sobrancelhas ou abrir a boca. É possível também configurar gestos para abrir notificações, regressar ao menu ou suspender a função de deteção de gestos.
Avatar Robot Cafe é mais uma tecnologia, desta vez desenvolvida, em 2021, no âmbito de uma parceria entre vários institutos japoneses. Um robô é virtualmente controlado a partir de casa por pacientes com demência ou até por pessoas que se encontrem acamadas. Através de um sistema de Inteligência Artificial, o avatar executa tarefas variadas, como servir clientes e receber pagamentos em cafés designados de Diverse Avatar Working Network (DWAN).
Para operá-los, bastam “capacidades motoras mínimas”, salientam os autores do estudo. Por enquanto, esta tecnologia só está disponível no Japão. Mas os especialistas acreditam que, com o rápido desenvolvimento das tecnologias de Inteligência Artificial e a futura expansão da infraestrutura 6G, a sua disseminação acontecerá a um ritmo acelerado nos próximos anos.
Os distúrbios cognitivos e motores em simultâneo são, por fim, as últimas características da demência enumeradas no estudo e que têm na solução Affectiva um exemplo de como se poderia ajudar os pacientes a ultrapassar as limitações na forma como comunicam necessidades e emoções.
Desenvolvido pela empresa sueca Smart Eye, o sistema usa a Inteligência Artificial para reconhecer e analisar os estados emocionais e cognitivos dos condutores, como distração, fadiga ou desidratação. As informações recolhidas são usadas para enviar alertas aos automobilistas, mas os especialistas acreditam que, com a hiperconectividade do 6G, a tecnologia poderá se tornar ainda mais responsiva.
Na demência, a interação social é a vertente que sai mais prejudicada, afetando a autoestima e contribuindo para acelerar a degeneração de capacidades motoras, linguísticas e cognitivas dos pacientes. Essa é a razão para os autores desta investigação dedicarem um capítulo final aos robôs sociais, que poderão através das tecnologias 6G e Inteligência Artificial, ter um grande impacto no humor, nas relações sociais e no bem-estar dos pacientes.
Para os autores do estudo, o PARO e outros robôs terapêuticos são alternativas capazes de oferecer companhia e servir como um promotor da saúde emocional e mental para pacientes com demência. A sua aplicação no tratamento de doenças mentais, no entanto, tem ainda muitas limitações, advertem os especialistas, relembrando a incapacidade destes robôs em se tornarem responsivos: “Quando se trata de interagir com pacientes com demência, as capacidades técnicas do PARO permitem que ele seja reativo e recetivo, mas não chega a equipá-lo com recursos para ser proativo.”
Uma forma de ultrapassar esse obstáculo passaria por recorrer às tecnologias 6G, combinando, por exemplo, algoritmos avançados de Inteligência Artificial com análise de dados em tempo-real para fornecer informações inteligentes que permitam aos robôs prestar assistência, monitorizar a saúde dos seus donos e tomar decisões em momentos críticos.
Os robôs sociais aprimorados com tecnologias 6G e IA podem, segundo os especialistas, ter o potencial de detetar e prever episódios de agitação ou violência dos pacientes e até iniciar uma conversação sem ter de esperar que o seu proprietário tome a iniciativa.
Da mesma forma, poderão envolver-se com os pacientes em uma ampla gama de interações, como conversar, executar movimentos físicos ou assumirem as funções de parceiros em jogos. Outra valência particularmente útil será a capacidade para processar e analisar os dados obtidos com as interações humanas para melhorar os serviços e o atendimento prestados ao paciente.
Consulte o estudo “6G e tecnologias de Inteligência Artificial nos cuidados prestados a pacientes com demência: revisão da literatura e análise prática” no website do Journal of Medical Internet Research.