Professor de Sistemas de Comunicações Móveis, Instituto Superior Técnico
O leilão de espectro conducente à implantação do 5G (5ª Geração de sistemas de comunicações móveis) em Portugal terminou no final de 2021, e o seu lançamento comercial já foi feito por vários dos operadores que ganharam licenças. Este novo sistema traz novidades relativamente aos já existentes, designadamente o 4G (4ª Geração de sistemas de comunicações móveis), que abrem as portas a um leque vasto de aplicações para as empresas (e consequentemente para os consumidores).
O 5G possibilita funcionalidades avançadas ao longo de três eixos, que são significativamente melhores (pelo menos 10 vezes) do que as atuais do 4G:
De um modo geral, os consumidores não conseguem realmente tirar proveito destes valores “extremos” para seu uso direto, com uma exceção que será abordada à frente. De facto, caberá às empresas e às organizações aproveitar estas novas funcionalidades para implementar novas formas de melhoria da eficiência dos seus processos internos (contribuindo para redução de custos) e para desenvolver novos e melhores serviços e produtos para outras empresas e consumidores (contribuindo para o desenvolvimento do negócio, quando for o caso).
As gerações anteriores estiveram focadas nas comunicações de consumidores, designadamente melhorando a qualidade da transmissão de voz e aumentando a velocidade de transmissão de dados, tendo os smartphones desempenhado um papel fundamental para que os consumidores tirassem partido dessas melhorias. No entanto, estas novas funcionalidades do 5G vão além do uso direto que podemos fazer com os nossos smartphones. O mundo novo que se abre às empresas com o 5G é a possibilidade de juntarem este novo sistema de comunicações com implementações generalizadas de IoT (Internet of Things), porque as novas funcionalidades estão realmente vocacionadas para estas últimas.
Do ponto de vista técnico, o 5G diferencia-se pela introdução de algumas novas tecnologias em sistemas de comunicações móveis, que são essencialmente: antenas adaptativas nas estações base (o que vulgarmente se toma como as antenas no cimo de prédios ou torres), permitindo uma maior qualidade na comunicação com menos interferência e uma maior velocidade na transmissão de dados; virtualização ou fatiamento (slicing) das redes, que vão permitir que empresas e outras organizações estabeleçam as suas próprias redes privadas sobre as redes infraestruturadas dos operadores de telecomunicações; nuvemização (cloud networking) das redes com nós periféricos (edge networking), em que a estrutura da rede dos operadores é modificada para que muitas das funções de processamento e transporte da informação e de gestão da rede sejam realizadas em centros de dados, que podem ser centrais ou distribuídos. O espetro que foi licenciado para o 5G situa-se nas faixas de 700 MHz e de 3600 MHz, em que a primeira se destina essencialmente a fornecer coberturas elevadas com velocidades de transmissão de dados baixas, e a segunda permite basicamente providenciar velocidades de transmissão de dados altas com coberturas reduzidas.
A utilização de redes privadas por empresas e outras organizações abre um mundo novo, uma vez que estas podem contratar uma fatia de rede a um operador de telecomunicações, e utilizá-la para os seus próprios fins, que podem ir desde a utilização interna até à prestação de serviços aos seus clientes ou utilizadores. Estas redes podem ser configuradas para as suas necessidades de comunicação, otimizando as suas características para prestar serviços de acordo com os requisitos, que podem ser muito variados (em termos de velocidades de transmissão de dados, latências na transmissão, disponibilidade de comunicação e capacidade de conectividade). Esta configuração permite também aos operadores de telecomunicações prestarem serviços mais baratos para redes privadas com requisitos menos exigentes. Por outro lado, muitos sectores económicos e entidades estatais poderão tirar partido das possibilidades e capacidades do 5G com um custo substancialmente menor comparado com a instalação das suas próprias redes.
A lista de áreas com potencialidade é grande. Nos transportes, a utilização de 5G para veículos autónomos é clara, mas pode ser-se menos futurista e pensar-se em seguimento de veículos e otimização de rotas a um nível muito mais eficiente para operadores de transportes, fornecimento de serviços aos passageiros muito melhorados (não apenas em termos de acesso à Internet, mas também de entretenimento para viagens de longa distância); comunicações ferroviárias de qualidade muito mais elevada que as que são permitidas pelas redes atualmente existentes (baseadas no sistema GSM-R, ou seja, 2G). Na área da saúde, os cuidados prestados por hospitais e clínicas podem ser substancialmente melhorados, incluindo o uso de roupas com sensores que permitem monitorar pacientes de doenças crónicas e antecipar a recuperação pós-cirúrgica na residência dos doentes operados, e comunicações que possibilitam serviços remotos desde cirurgia a radiologia ambulante e incluindo consultas.
As indústrias transformadoras têm as possibilidades de implementação de Indústria 4.0 grandemente ampliadas. O 5G vai permitir usar sensores e atuadores (isto é, IoT) numa escala que não era possível até agora, gerando dados numa quantidade que só pode ser processada por técnicas de Inteligência Artificial. Vai ser possível fazer o rastreamento de matérias-primas e de distribuição de produtos, otimizar processos de fabrico e de controlo de qualidade, e utilizar robótica numa escala muito maior para produção e armazenamento com muito maior flexibilidade. Verifica-se assim que o 5G é potenciador da utilização de muitas outras tecnologias, para além das que estão associadas às comunicações móveis.
Outra área onde o 5G pode vir a fazer a diferença (com um impacto muito grande) é a das comunicações de segurança e emergência para polícias, bombeiros, proteção civil e infraestruturas críticas (atualmente suportadas no sistema SIRESP, que se baseia no sistema TETRA, ou seja, 2G).
Finalmente, o 5G vem abrir a todos os utilizadores, empresariais e consumidores, o universo das realidades aumentada e virtual, através do uso de óculos apropriados. Isto não significa que o telemóvel vá desaparecer, mas antes que vamos passar a ter mais um terminal para comunicar, como já acontece presentemente: desde os relógios de pulso (smartwatches) até aos tablets, e incluindo computadores portáteis e os pontos de acesso portáteis (hotspots). Os óculos de realidades aumentada e virtual vão trazer a revolução do 5G até aos utilizadores, ao permitirem um conjunto de serviços e aplicações inimagináveis até agora, e possibilitando uma nova revolução na maneira como vivemos.
Esperemos assim pela generalização da oferta de 5G e pela introdução dos verdadeiros novos serviços, que vão de facto possibilitar um maravilhoso mundo novo.
Março de 2022
SOBRE O AUTOR:
Luis M. Correia é Doutorado em Engenharia Eletrotécnica pelo IST, onde é Professor na área de comunicações móveis e sem fios, desenvolvendo a atividade de investigação no INESC-ID/INOV. Tem feito consultoria para operadores de comunicações móveis, além da ANACOM e de outras entidades públicas e privadas, e fez parte do Conselho de Administração da EID. Participou em 32 projetos europeus de vários programas-quadro, tendo coordenado 6. Orientou mais de 220 estudantes de Mestrado e Doutoramento. Publicou mais de 500 artigos em revistas e conferências nacionais e internacionais. Lecionou mais de 70 cursos de formação profissional para instituições estatais e empresas e para estudantes de doutoramento a níveis nacional e internacional. Fez parte de mais de 70 comités de avaliação de projetos e de instituições para a Comissão Europeia e agências de financiamento de 12 países. Teve responsabilidade de Presidente de Conferência, de Comité Técnico e de Comité de Supervisão em mais de 20 grandes conferências internacionais. É Professor Honorário da Universidade Técnica de Gdansk (Polónia) e recebeu o Prémio por “liderança na área de propagação em comunicações móveis e sem fios” da EURAAP em 2021.
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